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quinta-feira, 18 de março de 2010

Público para quê? E um pouco sobre o mecenato

Li recentemente uma reportagem de Reinaldo Azevedo sobre o cimena brasileiro, e achei uma verdadeira aula de política, economia e até de caráter nacional!!

Nas suas duas primeiras linhas, Silvana Arantes já diz quase tudo: “Cada vez mais filmes brasileiros chegam aos cinemas — e menos gente vai vê-los”. O texto informa que a queda de público dos longas nacionais no primeiro semestre de 2007, na comparação com igual período do ano passado, é de 14,7%. Já o número de lançamentos cresceu 39%.

Por que será que isso acontece? A resposta é óbvia. Quem paga o cinema nacional, leitor amigo? Você. Por meio dos ingressos? Não! Isso traduziria a adesão dos nossos cineastas às leis de mercado, ao capitalismo, a uma sociedade livre. Coisa muito avançada para a taba. Nós sustentamos o cinema nacional por meio da renúncia fiscal e da plata das estatais, que financiam os nossos gênios. O espectador pode não comparecer, mas a verdade eterna está lá, estampada na tela, para quem quiser ver. No caso de a Petrobras ou Banco do Brasil financiarem um embuste, o que acontece? Nada! O departamento de marketing (ou sei lá quem) ganha um selo de “amigo das artes”.

Leiam outro trecho da reportagem: “Profissionais do mercado e setores do governo têm perspectivas diferentes sobre o enigma do caso brasileiro. Apontando ‘culpa’ dos filmes, o presidente do Sindicato dos Distribuidores do Rio de Janeiro, Jorge Peregrino, provoca: ‘Já se elegeu tudo quanto é vilão -a exibição, a distribuição, a [falta de] aliança entre TV e cinema. Vamos eleger o vilão da vez, que é o produto’. Por eliminação de alternativas, Rodrigo Saturnino Braga, diretor da Columbia/Buena Vista, chega a diagnóstico semelhante ao de Peregrino. ‘Há dinheiro para fazer filmes e há distribuidores mais do que suficientes. Portanto, não é problema do modelo de produção e de lançamento. Talvez o problema seja não estar encontrando o gosto do público.’”

Bidu! Os cineastas não são os únicos artistas a atribuir a outros o seu insucesso, é claro. Aliás, essa não é uma particularidade nem mesmo dos artistas. Os políticos, por exemplo, estão certos de que a culpa é sempre da imprensa. Mas sem dúvida os diretores de cinema são os mais aquinhoados pela sorte no Brasil: sempre recebem a sua grana, independentemente do sucesso do filme. Um poeta pode se achar, sei lá, uma reencarnação de Fernando Pessoa, de Auden ou de Yeats, ainda que não tenha leitores. Se for verdade, está ferrado. Vai comer o pão que o diabo amassou — e, ainda assim, terá de pedir. Se for mentira, melhor para ele, que morrerá se achando vítima da injustiça sem jamais saber que é uma fraude. Ah, mas não um cineasta!!! A diferença de conta bancária entre o gênio e o medíocre é nenhuma.

A realidade relatada nos números prova também uma outra mentira: a de que, deixado o cinema submetido apenas aos mecanismos de mercado, só se produzirão mediocridades comerciais. Então tá. O cinema brasileiro não depende do mercado para existir, como vemos: e onde é que estão as obras de arte, aquelas que dão de ombros para o público em busca apenas do apuro estético?

Mecenas
E novos erros vão se acrescentando aos antigos. Informa a Folha: “Com o programa ‘Vá ao Cinema’, previsto para ter início em setembro, a Secretaria de Estado da Cultura de SP pretende distribuir, até o final do ano, 500 mil vales a serem trocados gratuitamente por ingressos para filmes brasileiros. Participarão dessa fase do programa 50 cidades do interior do Estado -cada uma receberá 10 mil vales. Em 2008, a iniciativa deve abranger também a capital. Está prevista a distribuição de 2,4 milhões de vales. O acordo da secretaria é com os exibidores -ela adquire previamente os ingressos, e eles programam filmes nacionais nos municípios acertados.” O que o secretário de Cultura, João Sayad, está fazendo? Aplicando ao cinema uma variante da política de substituição de importações?

A iniciativa é, pra dizer o mínimo, discutível. Se o que se quer é incentivar o brasileiro a ir ao cinema ou oferecer ao pobre uma alternativa de lazer, por que ele tem de ficar condenado a ver filme nacional? Quer dizer que Sayad acha justo e humano que o paulista tenha o “direito” de ver, sei lá, Lua Cambará, que teve 59 espectadores, mas não o último Harry Potter? Pobre é agora piloto de prova dos gênios de si mesmos? Parece, no entanto, que o intuito é mesmo outro: é jogar um pouquinho mais de dinheiro público no cinema nacional. Se os filmes brasileiros não conseguem atrair o espectador, o estado paga para o espectador assistir ao cinema nacional.

Mecenas, vocês sabem, era uma espécie de ministro da Cultura de Otavio Augusto, o primeiro imperador romano Rico, como Sayad, era um incentivador das artes. Protegeu gente como Virgílio, Propércio, Horácio… Acho que fez muito bem. O mecenato, ainda hoje, no mundo inteiro, garante muita coisa boa em arte. A diferença é que os nossos cineastas não são Virgílio. Ah, claro: Mecenas fazia aquilo com o seu próprio dinheiro, não com o da plebe rude de Roma.

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